O Sinal de Jonas

John Stott, em seu livro “A cruz de Cristo”, ilustra seu argumento com uma pequena peça de teatro intitulada de "O Longo Silêncio". Desde que li pela primeira vez esta peça me interessei pelo tema do sofrimento e me deparei coma peça do Pr Guenter Rutenborn "O Sinal de Jonas".

No fim dos tempos, bilhões de pessoas estavam espalhadas numa grande planície perante o trono de Deus. A maioria fugia da luz brilhante que se lhes apresentava pela frente. Mas alguns grupos falavam animadamente - não com vergonha abjeta, mas com beligerância. "Pode Deus julgar-nos? Como pode ele saber acerca do sofrimento?" perguntou uma impertinente jovem de cabelos negros. Ela rasgou a manga da blusa e mostrou um número que lhe fora tatuado num acampamento de concentração nazista. "Nós suportamos terror. . . espancamentos. . . tortura. . . morte!" Em outro grupo um rapaz negro abaixou o colarinho. "E que dizer disto?" exigiu ele, mostrando uma horrível queimadura de corda. "Linchado. . . pelo único crime de ser preto! "Em outra multidão, uma colegial grávida, de olhos malcriados. "Por que devo sofrer?", murmurou ela. "Não foi culpa minha." Por toda a planície havia centenas de grupos como esses.
Cada um deles tinha uma reclamação contra Deus por causa do mal e do sofrimento que ele havia permitido no seu mundo. Quão feliz era Deus por viver no céu onde tudo era doçura e luz, onde não havia choro nem medo, nem fome nem ódio. O que sabia Deus acerca de tudo o que o homem fora forçado a suportar neste mundo? Pois Deus leva uma vida muito protegida, diziam.De modo que cada um desses grupos enviou o seu líder, escolhido por ter sido o que mais sofreu. Um judeu, um negro, uma pessoa de Hiroshima, um artrítico horrivelmente deformado, uma criança talidomídica. No centro da planície tomaram conselho uns com os outros. Finalmente estavam prontos para apresentar o seu caso.Antes que pudesse qualificar-se para ser juiz deles, Deus deve suportar o que suportaram. A decisão deles foi que Deus devia ser sentenciado a viver na terra - como homem!"Que ele nasça judeu. Que haja dúvida acerca da legitimidade de seu nascimento. Dê-se-lhe um trabalho tão difícil que, ao tentar realizá-lo, até mesmo a sua família pensará que ele está louco. Que ele seja traído por seus amigos mais íntimos. Que ele enfrente acusações falsas, seja julgado por um júri preconceituoso, e condenado por um juiz covarde. Que ele seja torturado.”"Finalmente, que ele conheça o terrível sentimento de estar sozinho. Então que ele morra. Que ele morra de tal forma que não haja dúvida de que morreu. Que haja uma grande multidão de testemunhas que o comprove."E quando o último acabou de pronunciar a sentença, houve um longo silêncio. Ninguém proferiu palavras. Ninguém se moveu. Pois, de súbito, todos sabiam que Deus já havia cumprido a sua sentença.
Pastor Guenter, em algum lugar da Alemanha escreveu O Sinal de Jonas imediatamente após a segunda guerra mundial, para uma Alemanha chocada e abatida pela queda do Rerceiro Reich. A peça em um ato foi escrita para um grupo eclesiástico, mas sua linguagem falou tão intimamente à angústia e ira de seu tempo que "O Sinal de Jonas" foi apresentado mais de 1000 vezes em um teatro de Berlim Ocidental. A peça é uma teodicéia - uma justificação dos caminhos de Deus diante do mal.

Minha tradução foi feita de forma amadora e sem qualquer pretensão de publicação. Entendo que o tempo em que vivemos é propício para uma reflexão profunda na tentativa de responder: como chegamos até aqui? e como, então, viveremos (parafraseando Francis Schaeffer).


O Sinal de Jonas

... Jesus começou a dizer: - Esta é uma geração perversa! Pede sinal; mas nenhum sinal lhe será dado, senão o de Jonas. Porque, assim como Jonas foi sinal para os ninivitas, o Filho do Homem o será para esta geração. A rainha do Sul se levantará, no Juízo, com os homens desta geração e os condenará, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E aqui está quem é maior do que Salomão. Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e a condenarão, porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E aqui está quem é maior do que Jonas.
Lucas 11:29-32, NVI (N.T. Todas as citações Bíblicas foram traduzidas a partir da Nova Versão Internacional)

Personagens:
O Juiz
Jonas, o profeta
Um homem da plateia
Mercado
Arcanjos
Gabriel
Miguel
Rafael
O Homem Comum
A Rainha do Sul, Babilônia, Nínive1
A Mulher Comum
Diretor de Palco

1# 1Rs 10:1-10 Rainha do Sul é um título dado à rainha de Sabá no Novo Testamento; Mt 12:42 / 1Cr 9:1

A ação se passa num teatro em Berlim Ocidental.
O tempo é o presente.

A cortina sobe. O palco permanece escuro enquanto as luzes do teatro ainda estão acesas. As luzes do teatro apagam lentamente e ao final, podemos ver Jonas e o juiz sentados no banco à direita do centro do palco, conversando como se não soubessem que a cortina estava aberta.

No centro do palco há uma espécie de púlpito que também serve como cadeira para juiz. O restante do palco permanece vazio. Não é preciso nenhum figurino elaborado. Jonas veste um blusão laqueado amarelo, um suéter e uma capa de chuva preta. O Juiz e, posteriormente, os Arcanjos usam longas vestes de cores sóbrias, e usam máscaras. Quando os personagens recitam textos não-históricos, removem suas máscaras e são assim reconhecidos como nossos contemporâneos. A Rainha está vestida de acordo com a descrição de Apocalipse 17:4.
2

2 A mulher estava vestida de púrpura e vermelho e adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas. Segurava um cálice de ouro, cheio de coisas repugnantes e da impureza da sua prostituição. Apocalipse 17:4

Cena Um

Juiz: Como assim, você não quer?

Jonas: Não faz sentido.

Juiz: A plateia já está aqui; a peça deve prosseguir conforme planejado. Você não pode simplesmente decidir no último momento ...

Jonas: Claro que posso. Eu não quero. Simplesmente não quero.

Juiz: Exatamente como o Jonas da Bíblia. Ele também não queria.

Jonas: Bem diferente do Jonas da Bíblia! Ele, pelo menos, teve sucesso e foi capaz de converter uma grande cidade.

Juiz: Mas ele fez isso com muita relutância; e não ficou nada satisfeito com a conversão de Nínive.

Jonas: Detesto esta recusa constante em se converter. O mundo virou de cabeça para baixo, tudo está completamente fora de controle... as pessoas simplesmente não mudam. Tudo permanece o mesmo.

Juiz: Mais uma razão para apresentar esta peça hoje à noite.

Jonas: Nos apresentar? Pra quem? Você realmente acha que estamos diante do público certo?

Juiz: Sinais acontecem. E não dependem necessariamente da plateia.

Jonas: O público mudou mesmo. Quando nossas cidades estavam em escombros as pessoas eram diferentes. Agora que as cidades estão completamente reconstruídas, você acha que elas ainda se lembram - ou gostariam de ser lembradas daqueles dias de fogo e destruição caindo dos céus? Hoje em dia, pra onde você olha, só vê aqueles lindos painéis ... com luzes de neon.

Juiz: Mas de vez enquanto ainda aparece algum escombro do passado.

Jonas: Escombro! Claro, escombros! Há uma grande comoção, palestras e entrevistas. A polícia isola a área, o bairro inteiro é evacuado. E quando descobrem restos humanos entre os escombros, eles são removidos na calada da noite - em segredo - para ninguém ficar impressionado. Não! Estamos preocupados só com os vivos. Não com os mortos. A vida atual é muito barulhenta para o meu gosto. Carros, TVs, internet e celulares. Mas os mortos - em nome de quem eu deveria falar aqui esta noite - os mortos estão em silêncio. Calados e indefesos.

Juiz: Eu não acredito nisso. Deixe-me contar uma coisa. As pessoas não se esqueceram. Ouça. Em dezembro de 1954, eu fui para Londres, torcer pela nossa seleção na partida de futebol contra a Inglaterra. Na viagem de volta, perto de Louvain, o trem descarrilhou, desceu o barranco e levou os três primeiros vagões. Eu estava em um deles.

Jonas: Você? Você estava naquele desastre?

Juiz: Sim. Mas não é sobre o acidente que eu quero falar.

Jonas: Deve ter sido horrível.

Juiz: Com certeza não foi pior que aconteceu com você naquele submarino. Sem comparação. Você foi o único sobrevivente. Enquanto eu fui um dos cerca de vinte sobreviventes...

Jonas: Vinte? Apenas ... vinte? Nenhum a mais?

Juiz: Me perdoe pelo linguajar indelicado de sobrevivente. Sim, sou um de aproximadamente de vinte. Mas, como disse antes, não é do acidente que eu quero falar. Você precisa saber o que aconteceu quando chegamos em Aachen. Havia uma grande multidão esperando - jornalistas, repórteres. Um dos repórteres, da North German Broadcasting Company - estranho como esses detalhes sem importância ficam na nossa memória! - ficou totalmente surpreso com a maneira como respondemos quando ele nos perguntou se havia tido pânico, se as pessoas tinham ficado muito assustadas...

Jonas: Você estava em qual vagão mesmo?

Juiz: No terceiro. Ele rolou pelo e caiu por cima do segundo.

Jonas: Que horrível.

Juiz: Bem, sim. Mas... de volta ao repórter. Ele quase se recusou a acreditar em nós quando lhe dissemos que os passageiros permaneceram completamente calmos.

Jonas: Calmos?! Isso é inacreditável!

Juiz: Mas é verdade. Muitas vezes me perguntei sobre isso, até que, algum tempo depois, um psicólogo me explicou. Ele disse que conseguimos manter a calma porque tínhamos sido condicionados por nossas experiências durante a guerra. As memórias permaneceram vivas. Muito vivas, apesar das luzes de neon e da euforia do futebol. Não tenho dúvidas de que o público ainda é capaz de lembrar. Portanto, vamos atuar!

Jonas: (Virando e fingindo ver o público pela primeira vez) Mas é claro que ja começamos, não é, Senhoras e Senhores?

Juiz: (também de frente para o público) A cortina aberta era só um truque.

Jonas: O primeiro, claro. O primeiro de vários.

Na plateia, um homem se levanta indignado.

Trick: Trick! O que é isso? Um circo? Vim com a intenção de assistir uma peça séria, bíblica. Não é isto que dizia o anúncio nos jornais? É por isso que estou aqui. Mas "truque" - truque? Estou indo embora, quero meu dinheiro de volta ...

Juiz: Você está assistindo uma peça bíblica. Por favor... ! Por que você não fica, senhor ...

Trick: Trick. Meu nome é Trick.

Juiz: Senhor Trick. Muito prazer. Estamos prontos para começar. (Apontando para JONAS) Este é Jonas. Você já ouviu falar de Jonas, não é? Jonas, um dos profetas menores.

Trick: Jonas? Sim. Não é aquele supostamente engolido por uma baleia?

Juiz: Exatamente. Aquele que mais tarde foi a Nínive para pregar sobre morte e ressurreição. Talvez você esteja familiarizado com a história.

Trick: Sim, sim, me lembro agora. Acho que sim. (Senta)

Juiz: Bem, isso é perdoável. Aconteceu há muito tempo, e os eventos são difíceis de comprovar. Esse tipo de submersão não é relatado na imprensa. Mas nosso Jonas, como você acabou de ouvir, mergulhou não apenas nos problemas de nossa era, mas também na profecia. (Apontando para JONAS) Jonas, por favor.

O JUIZ sai e a cortina fecha, mas JONAS encontra-se na frente dela e, informalmente, senta-se à beira do palco.

Cena Dois

Jonas: Sim, eu sou Jonas. Aquele que foi engolido por uma baleia. Na verdade, o que realmente aconteceu foi o seguinte. Durante a última guerra, eu estava no comando de um submarino ...

Trick: (Levantando-se novamente) Submarino! Achei que você fosse o profeta Jonas.

Mercado: (sentado na parte de trás do PÚBLICO grita) Silêncio aí na frente! (Trick senta-se novamente)

Jonas: É possível identificar-se com um fato, um assunto ou uma ocorrência. Deixe-me explicar: Como eu disse antes, durante a Segunda Guerra Mundial, eu estava no comando de um submarino. Navegávamos na superfície quando de repente fomos atacados por um bombardeiro, e tivemos que submergir. Alguma coisa deu errado. Afundamos e não conseguimos mais nos mover. Estávamos encalhados. Não é preciso dizer que o engenheiro tentou de tudo e não adiantou. Estávamos condenados à morte lenta por asfixia. Me atrevo a dizer que asfixia é a forma mais horrível de morte - mas, suponho, a morte de cada um deve ser a mais horrível. "O que vai acontecer?" a tripulação perguntava uma, cada vez mais desesperada. "Você vai morrer!" Finalmente gritei com raiva. "Morrer faz parte do nosso trabalho!" O engenheiro zombou: "Porque não tentamos orar?" "Preferimos xingar", os homens responderam. E xingaram. Não é preciso dizer o quanto os marinheiros gostam de praguejar. Mas depois de um tempo até o xingamento parou. Por estranho que pareça, ninguém consegue continuar a amaldiçoar indefinidamente. "Só um milagre pode nos salvar agora", disse o engenheiro. Ele disse outras coisas, e então começou a chorar, silenciosamente. As lágrimas escorriam. Logo outros também estavam chorando. Não é preciso entrar em detalhes. Basta dizer que, na média, eles eram bastante jovens e choravam por seus entes queridos. Eu, particularmente, estava bastante apático. Quando me perguntavam como eu me sentia, ficava irritado e gritava: "Estou orando!". Não era a verdade. Em pouco tempo, o que eu mais temia aconteceu. Um dos homens se matou. O engenheiro. Todos entraram em pânico. Suponho que isso seja natural. É horrível estar numa lata de " "sardinha asfixiante com um cadáver. Começávamos também a sentir a falta de oxigênio. O tempo passou de forma lenta e monótona. Você pode prever que em pouco tempo tivemos que lidar com uma epidemia de suicídios. Eu estava impotente. Não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo e, além disso, a falta de oxigênio dificultava o movimento rápido. Por fim, restavam apenas dois de nós. Por uma estranha coincidência o nome do outro homem era Abel, Abel Moeller. Abel, a propósito, é um nome hebreu. Abel descobriu um último cilindro de oxigênio quando pensávamos que o fim havia chegado. "Eu vou viver", gritou ele entusiasmado - uma coisa muito tola de se fazer, ficar entusiasmado quando há tão pouco oxigênio. Tentei de tudo para me manter calmo. "Calma, filho, calma", eu disse, mas Abel tinha achado um revólver e apontou pra mim. A pistola travou. Ele começou a soluçar e se jogou em meus braços implorando por perdão. "Muito bem", eu disse, “solte o ar. Vejamos quem vai sufocar primeiro. Deus, em quem nenhum de nós acredita, será o nosso juiz!" Sentamos um ao lado do outro. Ele estava chorando e eu, de repente, encontrei forças para orar. Eu orei muito calmamente. Pode adivinhar porquê. Pois é! Para fazer o oxigênio durar um pouco mais. Aos poucos o soluço ao meu lado começou a acalmar. De repente o Abel esticou os braços num espasmo violento, sua pele ficou escura, quase roxa... é melhor poupá-los dos detalhes. Deus o havia julgado e não tinha dado ouvidos às suas lágrimas. Caí de joelhos e com a voz embargada e jurei: "Se me deixares viver, serei Tua testemunha!" - então tentei girar mais uma vez as válvulas que regulam o ar pressurizado para forçar a água a sair das câmaras de mergulho. "Em nome do Senhor", eu gritei, "Fujam, espíritos malignos das profundezas!" Ouvi um assobio zangado - sim, zangado! Mas soou-me como o refrão de um coral de anjos! (Ele agora levanta-se) Bem, como podem ver, eu estou aqui, e agora chamo a mim mesmo Jonas. Porque não? Submarino ou baleia, o inferno é sempre o mesmo. No final das contas é sempre o mesmo inferno. Jonas conta a história incrível - e até mesmo juvenil - de sua ida a Nínive para pregar sobre morte e ressurreição. Nínive! Porquê Nínive? Hoje à noite, afinal, estamos em Berlim. Nesse teatro, enquanto a peça é encenada, Nínive se torna Babilônia, que de acordo com a Revelação de João significava Roma. Sim, é preciso conhecer os textos originais. É importante conhecer os textos originais. Qual a importância de um nome? Será que o nome realmente importa? Nínive, Berlim, Babilônia, Roma... amanhã pode ser Nova Iorque, Moscou... quem sabe. Ah, mas os originais! Observem esta citação, por exemplo: Mene, mene. Tequel. Parsim.

(Ele observa que o PÚBLICO não entendeu o significado do ditado.) 
# Mene, mene. Tequel. Parsim. é de origem 'aramaica'. O autor considera hebraico por fazer parte do livro de Daniel, mas originalmente foi escrito em aramaico.

Jonas: Desculpe. Vocês não estão familiarizados com essa citação? É uma pena. Uma verdadeira lástima! Vocês é quem devem lastimar. Deveríamos ter compreendido o significado desta expressão há muito tempo - afinal, há muitos anos esta era uma expressão bastante usada na Alemanha. Mene-tekel tem origem hebraica - apareceu escrito nas paredes do salão de banquetes de Belsazar. Mais recentemente, porém, apareceu escrito em todo espaço público do nosso país. Significa - veja se não é verdade - significa numerado, contado, pesado e dividido. Se estiver interessado na história completa, você pode lê-la no livro escrito pelo meu colega Daniel. Por hora, é melhor ficar com Jonas, o Profeta Jonas, com o sinal de Jonas!

(Ele estala os dedos, para indicar que a cortina deve ser aberta e também que as luzes devem acender.)

Cena Três

(O juiz entra novamente, seguido pelos ARCANJOS Gabriel, Miguel e Rafael.)

Juiz: Concordei em interpretar o papel de Juiz. De acordo com as últimas pesquisas existe, além dos Arcanjos... (apontando para eles) estes três aqui... uma tradição antiga e bem fundamentada da presença de um anjo no Juízo Final. Aceitei a exigência desta tradição - que é de amplo conhecimento entre nossas nações. Estive na Itália - de uniforme, não como turista - e depois no Norte de África. Fiquei bem familiarizado com os encantadores italianos e os honrados africanos - e aprendi a respeitar os britânicos. Perto do fim da guerra, caí no cativeiro francês. Os franceses! Aprendi a odiá-los! Sim, eu os odiava tanto quanto os tinha amado e venerado em outro tempo. Depois fui entregue aos russos. No início odiava os russos, mas logo eles me convenceram a amá-los. Quanto aos alemães que eu tinha amado toda a minha vida, aprendi a desprezá-los profundamente, porque...

Jonas: (dando um passo em sua direção) Chega! Já é o suficiente! Não estamos preocupados com sua vida nem com suas opiniões pessoais. Você é o Juiz. Esperamos que você seja severo e imparcial. É seu dever pesar todas as nações de acordo com um padrão rigoroso de justiça.

Gabriel: Eu vou representar o Arcanjo Gabriel. Gabriel significa "Deus é minha força". Não estou aqui como único sobrevivente de um submarino nem como um repatriado da Sibéria. Estava em Dresden quando os ianques nos fizeram uma visita aérea. Fiquei enterrado vivo em um porão por dez dias. Algum de vocês esteve em Dresden?

Ele faz uma breve pausa.

Gabriel: Preciso dizer que o que ocorreu foi um massacre deliberado e covarde.

Jonas: Quieto! Quieto! O papel de Juiz não é seu, mas do senhor .... (Ele dá o nome real do ator que interpreta JUIZ; depois, para o PÚBLICO). Ele também é um sobrevivente.

Miguel: Meu nome é Miguel. Traduzido que significa: "Quem é como Deus?" Ninguém deveria fazer este tipo de pergunta, deveria? Você é obrigado a dar uma resposta idiota. Entende o que eu quero dizer, não é? (Ele faz a saudação a Hitler)

# ‘Amis’ era a forma de chamar os americanos após invadirem a Alemanha. 

Quanto a mim, bem, os Amis me mandaram para o campo de concentração de Dachau. Sim, você ouviu direito, os Amis, os americanos. Eles nos derrotaram e nos prenderam sem comida - para morrer de inanição. Eu, de todas as pessoas. Por esse absurdo ... (Ele faz a saudação a Hitler) durante muito tempo não senti nada além de desprezo. Fui designado para trabalhar no lugar destinado a execuções em massa. Executávamos os das raças inferiores. E não pense por um momento que era um trabalho agradável ...

Jonas: (para o público) Outro sobrevivente! (Para RAFAEL) Próximo, por favor.

Rafael: Meu nome é Rafael. Significa simplesmente - com o perdão da expressão - "Heil Deus!"

Jonas: Outro sobrevivente, sem dúvida.

Rafael: Pode apostar. Escapei da Prússia Oriental, atravessando o Báltico em um pequeno navio de pesca, bombardeado, naufragado ...

Gabriel: Que comovente. Não me venha com esta! Você está tentando impressionar um sobrevivente de Dresden?

Rafael: Depois, em algum lugar da Pomerânia, me colocaram contra uma parede ... e me fuzilaram.

Miguel: Como assim?

Rafael: Eles erraram, claro! Estavam completamente bêbados, do contrário, eu seria um anjo de verdade agora.

Jonas: (Balançando a cabeça, duvidoso e entretido) Bem, bem, bem ...

Miguel: Estou dizendo isso há muito tempo: não somos anjos.

Jonas: Sim, é verdade que nós, alemães, nunca tivemos relações próximas com os anjos; já com o outro lado...

Rafael: Que dizer do Fausto de Goethe!

Miguel: E o doutor Fausto de Thomas Mann.

Jonas: Tudo bem, tudo bem; vamos começar.

# Goethe, Fausto, Prólogo no Céu, trad. Rafael Arrais (2016) 

Rafael: No coro sideral o sol vai prosseguindo, qual na origem lhes hás dado, o curso harmonioso ...

Jonas: Ei! Isso não! Pare com isso! (Desdenhosamente) Metido!

Rafael: Só queria provar que existem anjos em Fausto.

Jonas: Chega de papo. Aos negócios. Comece.

Rafael: Começar? Onde?

Jonas: Pela conclusão.

Enquanto RAFAEL finge não entender, o JUIZ entra no palco.

Juiz: O Dia do Juízo se aproxima. A destruição de Babilônia, também conhecida como Roma, também conhecida como Dresden, também conhecida como Berlim, também conhecida como Coventry, também conhecida como Rotterdam, também conhecida como Hiroshima, também conhecida como Nagasaki, et cetera. Os espíritos mais baixos das profundezas se erguem, as bombas atômicas estão prontas ...

Rafael: E as bombas H..

Gabriel: E também as bombas de cobalto ...

Jonas: (Provocando) Não se esqueçam dos discos voadores. Algo mais?

Juiz: Concentração, por favor! (Ele assume sua cadeira atrás da mesa. Ao PÚBLICO) Exigimos sua presença no Dia do Juízo. Trombetas, por favor! As trombetas tocam uma fanfarra.

Juiz: O Tribunal da peça O Sinal de Jonas está agora em sessão! Todos tomam o seu lugar, os ARCANJOS chegam ao centro do palco, JONAS, sempre atento, pronto para comentar ou interromper, permanece levemente à direita.

Miguel: Amanhece o Dia do Juízo
E então o Senhor ordena sua vontade:
Que o sol pare
Como antes fez para Josué
# Josué 10:12 
No vale de Aijalon.
Deixe a pureza de sua luz brilhante,
Brilhar como uma grande visão profética,
O dia não voltará a ser noite.

Gabriel: Quando as profundezas vomitarem sua fumaça
Para manter o recém-amanhecido dia,
Quando as chamas do inferno transformarem a noite
Na ofuscante luz do meio-dia,
Então o abismo será aberto -
A transformação final evocada;
Então virá a destruição
A própria obra de Deus deve terminar.

Rafael: Chegue mais perto então, puras obras de Deus.
Entregue toda a sua beleza para este grande dia.
O abismo negro em ti será encoberto,
Sofrimento, e desespero de toda terra
Virão bem a tempo para enfrentar
A Luz Eterna.

Anjos: Te louvamos, então, por amor desse terror.
O Inferno se convulsiona em fúria - morre.
O mundo então termina em lágrimas.
E quando os gritos e lamentos desaparecerem,
# Malaquias 4:2 
O sol do último dia nascerá.

Miguel: Caiu,
E com ela toda pompa e blasfêmia.
# Apocalipse 18:2
Caiu a grande Babilônia!
Não mais a Terra servirá com ódio,
A maldição está quebrada, a noite segue.

Gabriel: O mundo não foi abalado
Os lábios dos pecadores ainda o louvarão.
Nos muros em ruínas de Babel,
Ainda repousam sombras do poder de Deus.

Rafael: Que os que hoje estão caídos possam se prostrar novamente para orar
E conhecer a beleza ilimitada de Deus
Possam encarar a ameaça da morte.
E enfrentar esta ameaça, a partir da recém-encontrada verdade,
Possam eles, os caídos, encontrar nova esperança.

Anjos: Tu, que contaste o tempo em solenes círculos,
Exalte a justiça do universo.
Tu és a ordem do mundo e seu ornamento
Que a casa de Deus trema com seu cântico.
Em ti os caídos verão
Que nas mãos de Deus está a morte e a ressurreição.
# "sub species aeternitatis" Ética, Baruch Espinosa, Part V, Prop XXIII, Escólio. Essa idéia que exprime a essência do corpo sob a perspectiva da eternidade é, como dissemos, um modo definido do pensar, que pertence à essência da mente e que é necessariamente eterno. Não é possível, entretanto, que nos recordemos de ter existido antes do corpo, uma vez que não pode haver, nele, nenhum vestígio dessa existência, e que a eternidade não pode ser definida pelo tempo, nem ter, com este, qualquer relação. Apesar disso, sentimos e experimentamos que somos eternos. Com efeito, a mente não sente menos aquelas coisas que ela concebe pela compreensão do que as que ela tem na memória. Pois, os olhos da mente, com os quais ela vê e observa as coisas, são as próprias demonstrações. Assim, embora não nos recordemos de ter existido antes do corpo, sentimos, entretanto, que a nossa mente, enquanto envolve a essência do corpo sob a perspectiva da eternidade, é eterna, e que esta existência da nossa mente não pode ser definida pelo tempo, ou seja, não pode ser explicada pela duração. Portanto, pode-se dizer que a nossa mente dura e que a sua existência pode ser definida por um tempo preciso apenas à medida que envolve a existência atual do corpo; e, apenas sob essa condição, ela tem o poder de determinar a existência das coisas pelo tempo e de concebê-las segundo a duração.

Jonas: Boas palavras, cavalheiros, boas palavras. Agradecemos a vocês. Vocês fizeram sua declaração "sub species aeternitatis" e duvido muito que alguém nestes tempos agitados se dê o luxo de aceitar a visão de longo prazo, o ponto de vista da eternidade.

A Rainha da Babilônia, o Homem Comum, a Mulher Comum chegam pelo corredor, em clara resposta ao convite dos arcanjos.
Jonas: Eis aqui três pessoas que aceitaram vosso convite. (Além do JUIZ) Bem, vejamos então quem está certo.

A Rainha da Babilônia, o Homem Comum e a Mulher Comum sobem ao palco.

Cena Quatro

Juiz: (para JONAS) Você parece ser pouco qualificado para um advogado. Você olha de forma preconceituosa para as pessoas. Julgamentos rápidos. Isto está errado. Lembro-me de ter lido em algum lugar que você praticou direito em Nínive sem nunca chegar a um veredito apropriado. Julgamentos rápidos, viciosos, cheio de preconceitos. Teremos que reexaminar esses casos.

Jonas: O que quer dizer com preconceitos? O senhor falha ao interpretar o insight profético. Olhe sem pressa para estes três. Olhe para as caras deles. Eles são rostos do século XX - certamente um dos mais estranhos de todos os séculos. Há algum outro século mais carregado de culpa e sangue, e ao mesmo tempo cheio de desculpas e auto-justificação? O rosto do homem do século XX! Hmmm! Você pode escolher um personagem marcante em cada um dos séculos passados. Dificilmente irá encontrar, combinado em um rosto, crueldade, justiça própria e vazio, e ao mesmo tempo esvaziado de todo sentimento religioso. Estou disposto a apostar que nenhum desses três tem a mínima noção de onde estão...

Juiz: Você está esquecendo de si mesmo, profeta.

Jonas: Quem não consegue esquecer de si mesmo jamais pode se tornar um profeta.

Juiz: No entanto, precisamos seguir o devido processo legal. (Para os recém-chegados) Estamos gratos por aceitar nosso convite solene. O tribunal decidiu simplificar o processo, reduzindo as inúmeras acusações a uma em particular. O Tribunal solicita que vocês permaneçam aqui, como testemunhas.

Homem: Testemunhas? Testemunha uma ova. Estou aqui como parte da acusação!

Jonas: (Para o Juiz) Olha aí! É disso que estou falando.

Juiz: (Para o Homem Comum) Você terá o direito de manifestar suas queixas no momento do seu depoimento, desde que, claro, atenha-se à verdade e objetividade. (A todos, secamente) Muito bem, então! Desconsiderando os numerosos crimes imperdoáveis cometidos na Cidade de Nínive, aliás Babilônia ou Babel, aliás Roma I, II, III, et cetera, et cetera, o Tribunal limitará sua atenção à acusação de responsabilidade da Cidade: seus habitantes e seu governo, respectivamente. Consideraremos o conhecido caso político, que estabelece precedentes, dos três homens lançados vivos na fornalha de fogo. Vejamos a evidência número um: Livro de Daniel, Capítulo Três. Nossas testemunhas devem estar familiarizadas com o assunto, uma vez que pelo menos um bilhão de cópias da Bíblia foram impressas em cerca de mil idiomas e dialetos. (À Rainha) No entanto, para o caso de lhe ter escapado, minha cara senhora, vou resumir os fatos em questão. No ano 602 antes de Cristo - e isto não deve ser interpretado como uma circunstância atenuante - bem, naquele ano 602 ocorreu um incidente em vossa cidade - considerado a origem da desgraça que culminou na completa destruição de sua cidade, a capital do mundo, pelo fogo do inferno. A senhora foi responsável pela construção de uma fornalha na qual foram atirados vivos três homens respeitados e amáveis, a saber, as testemunhas Sadraque, Mesaque e Abede-nego. Isto é um crime contra a humanidade.

Rafael: Correção, Meritíssimo. Embora os três cavalheiros tenham sido lançados na fornalha de fogo ardente, fui enviado para protegê-los de graves lesões corporais. Eles sobreviveram à provação e mais tarde foram nomeados para altos cargos administrativos.

Rainha: Este incidente não ocorreu durante o meu reinado. Nabucodonosor, embriagado pelo poder, deu a ordem.

Juiz: Que tipo de desculpa é essa? Minha estimada senhora, em alguns instantes a senhora será devidamente identificada. No livro da Revelação, João nos fornece o mandato contra a senhora. (Para Miguel) Miguel, leia o mandato perante este Tribunal.

Miguel: (Lendo um livro) Diz a palavra do Senhor: "A mulher estava vestida de púrpura e vermelho e adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas. Segurava um cálice de ouro..."
# Apocalipse 17:4

Rainha: O cálice! Oh, eu esqueci em casa. Seria muito incômodo ...

Homem: Que tonta! A senhora acaba de se entregar.

Jonas: Isso não foi muito inteligente da vossa parte.

Juiz: Esse cálice de ouro contém a própria prova. Pois estava cheio de ... adornado com ... Miguel!

Miguel: "Cheio de coisas repugnantes e da impureza da sua prostituição." A propósito, bêbado aqui significa "embriagado com o sangue do povo de Deus".

Juiz: (Para a Rainha) Bem, aí está a prova! Ou talvez a senhora se agarre à ideia de que queimar vivo não seja derramamento de sangue? Senhoras e senhores, há um ponto que deve ficar claro para todos vocês. Esta Corte é mais exata do que costumamos ver nos tribunais humanos, mesmo que nossos métodos de investigação do precedente mitológico e original possam parecer incomum. No entanto, este Tribunal não tolerará nenhuma tentativa de desmitificação, ou quaisquer outras desculpas, ou alegações de mal-entendidos.

Jonas: Ouça! Ouça!

Juiz: O Tribunal não está sofrendo com uma "Psicologia Superficial". Esta corte sabe exatamente os padrões que deve seguir. (Para a Rainha) A senhora, madame, aceitou interpretar o papel da Rainha. Em outro tempo a senhora será Medeia, Portia, ou Margaret. Na verdade, não há necessidade de figurinos, ninguém está enganado. Sabemos exatamente quem está escondido atrás de todas estas máscaras. Quer esteja representando a Rainha da Babilônia ou, por outro lado, a Rainha do Sul, sabemos que na realidade seu nome é... (Ele nomeia o verdadeiro nome da atriz que faz a RAINHA)

Rainha: Senhor .... (Ela dá o nome real do ator que interpreta Juiz) Você enlouqueceu? Pensei que estávamos atuando...

Juiz: Atuando? Você está atuando? Eu rejeito veementemente o termo 'atuar'. Nós julgamos. Sentamos aqui para julgar nossa era e, no fim das contas, você é uma mulher do século XX!

Rainha: Sim.

Juiz: Você concordou em representar o papel da Rainha?

Rainha: O que mais eu estaria fazendo aqui?

Juiz: Sua insolência torna absolutamente impossível deferir seus protestos. Então... a representação de um personagem no palco exige uma identificação completa com esse personagem, não é? Quanto mais completa, melhor.

Jonas: Amigos, não vamos perder tempo com isto. Caso contrário, o autor será responsabilizado por nos deixar entediados nesta noite.

Juiz: (Para Jonas) Esta corte não reconhece a importância do autor neste momento. O que importa é esclarecer o ponto. (À Rainha) Agora, senhora.... (Ele diz seu verdadeiro nome) já que não é capaz de se identificar com o personagem como a Rainha da Babilônia, conclui-se que você, como mulher do século XX, é capaz de ser essa rainha sanguinária. Afinal, se você não consegue se identificar com a rainha, representará esta noite um personagem absolutamente implausível e pouco convincente. Correto?

Rainha: Esta peça é horrível.

Juiz: Você não deve julgar a peça. Esse privilégio é reservado para o público e os críticos. Tudo o que se espera de você é uma performance digna.

Gabriel: (para a Rainha) Não consigo entender por que você está tão nervosa, senhorita ... (ele diz o nome verdadeiro dela). Por sugestão de Guenter Rutenborn, estamos discutindo a velha história dos três homens e a fornalha de fogo. Então... Não tínhamos fornalhas? Não lançamos pessoas inocentes nas chamas? Todo mundo sabe que fizemos isto.

Jonas: Essa também é minha alegação. A tradução do texto hebraico para o alemão faz um paralelo interessante.

Miguel: Também foi traduzido para outros idiomas.

Rafael: Certamente há fornalhas em outros lugares.

Juiz: Não estamos preocupados com isso. Estamos apenas analisando o precedente hebraico-alemão. Ao examinar o caso dos três homens na fornalha de fogo em uma Babilônia incendiária - ou qualquer que seja o nome - seremos obrigados a considerar outras cidades e seus incendiários - os incendiários originais, se preferir. Vamos prosseguir com a investigação.

A MULHER COMUM esteve tentando chamar a atenção do JUIZ; agora ela consegue.

Juiz: Sim!

Mulher Comum: Meritíssimo, por favor, me dê a palavra. Meritíssimo! Sou apenas uma dona de casa comum. Você sabe o que quero dizer. Falo agora por todas as mães. Sim, as mães! Heroinas não celebradas que são, mães, sofrendo as agonias do parto, criando seus filhos com amor, preocupação e medo, só para que um mundo cruel os leve embora. Sadraque, Mesaque e Abede-nego são meus filhos! Ainda hoje lembro como eles prometeram cumprir nossas grandes expectativas que tínhamos sobre eles. Não foi fácil, criá-los. É só fazer as contas, Meritíssimo, três rapazes ao mesmo tempo...

Juiz: Tudo bem, boa mulher, tudo bem. Por favor, limite-se a responder as perguntas. Você sabe como seus filhos acabaram presos e condenados a um destino tão terrível?

Mulher Comum: Claro que sei! Claro! Estas coisas não acontecem sempre da mesma maneira? Alguém os denunciou. Veja, Meritíssimo, havia um decreto. Todos deveriam obedecê-lo. Dizia que todos deviam saudar um ídolo dourado, as normas e a bandeira. Mas meus rapazes eram intelectuais. Não foi fácil, Meritíssimo; tivemos que sacrificar muito, mas eu insisti para que os meninos recebessem uma boa educação.

Jonas: Mãe, não se empolgue demais. O original hebraico é um pouco diferente. (Para Miguel) Talvez você possa nos ajudar mais uma vez, Miguel.

Miguel abre seu livro. 

Miguel: "Nesse momento alguns astrólogos se aproximaram e denunciaram os judeus, dizendo ao rei Nabuco-Nazi - ops, quer dizer, Nabucodonosor (fazendo a saudação nazista) - “Ó rei, vive para sempre! Tu emitiste um decreto, ó rei, ordenando que todo aquele que ouvisse o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da flauta dupla e de toda espécie de música se prostrasse em terra e adorasse a imagem de ouro, e que todo aquele que não se prostrasse em terra e não a adorasse seria atirado numa fornalha em chamas. Mas há alguns judeus..."
# Daniel 3:8 ss

Juiz: Suficiente. Obrigado. O paralelo foi claramente estabelecido. (Para a Mulher Comum) Então... Quem denunciou seus filhos?

Mulher Comum: A Rainha está envolvida. Mas ela é apenas a autoridade final. Ela continua a olhar lentamente, visualizando a plateia.

Mulher Comum: Quem nunca apontou um erro alheio? Mesmo que uma única vez? Agora ela olha diretamente para MIGUEL, que se abaixa.

Miguel: Por que está me olhando deste jeito? Eu não fiz nada!

Jonas: Não fique chateado. Você deveria se comportar como um anjo.

Miguel: Mas senhor .... (dando o nome verdadeiro de JONAS) Você sabe que não sou um anjo.

Jonas: Não há dúvida sobre isso. Afinal, você é um ser humano e certamente é culpado de algumas transgressões.

Miguel: Transgressões menores ... Não estou falando de pequenas transgressões. Nada tão inofensivo. Antes de me mandarem para Wehrmacht, eu era funcionário do departamento municipal de licenças de casamento. Não consigo deixar de pensar nisso ... muitas vezes à noite acordo perturbado ...! Preciso mesmo contar tudo?
# Wehrmacht (termo alemão que significa "Força de Defesa") foi o nome do conjunto das forças armadas da Alemanha durante o Terceiro Reich entre 1935 e 1945 e englobava o Exército (Heer), Marinha de Guerra (Kriegsmarine), Força Aérea (Luftwaffe) e tropas das Waffen-SS (que apesar de não serem da Wehrmacht, eram frequentemente dispostas junto às suas tropas).

Sua explosão repentina despertou a curiosidade do JUIZ.

Juiz: É claro que deve. Este é o Dia do Juízo. Confesse!

Miguel: (Ele pensa por um tempo; então, diz comovido) É uma longa história; vai até o fim da Primeira Guerra Mundial. Aquele tratado de paz de Versalhes ficou atravessado na minha garganta. Me vi privado da minha casa na Prússia Ocidental. Quando Hitler apareceu e denunciando o acordo de Versalhes, entrei para o partido. Após um tempo, me tornei escriturário no departamento de licença de casamento. Oficiei os casamentos, inspecionei os documentos, as certidões de nascimento - bem, suponho que vocês imaginem por quê: por causa das avós arianas. Eu tinha que certificar que todas essas pessoas tinham a formação racial adequada. Bem, no início não vi mal nenhum em diferenciar entre alemães e judeus. Mas depois, mais tarde, eles construíram os fornos. Para minha vergonha - para minha grande e eterna vergonha! - Eu também enviei pessoas para os fornos. Sim, sim, eu fiz! Eu sou um assassino, não vêem? Um assassino! Um assassino, não um anjo!

Jonas: Ei, controle-se. Veja...

Juiz: Você está saindo do personagem, senhor .... (dizendo o nome verdadeiro de Miguel)

Jonas: Realmente, meu bom homem, você está indo longe demais. Faça uma pausa e pense por um momento. Considere as implicações do que acaba de dizer. Pense nos inúmeros certificados de batismo emitidos por clérigos cristãos, por funcionários municipais.

Rainha: (horrorizada) O ...! Até mesmo o autor desta peça ...

Jonas: Sim! Ele mesmo um pastor!

Durante toda esse diálogo, a MULHER COMUM anda pelo palco, olhando para os atores e para a plateia. Agora, de volta ao palco novamente, ela para abruptamente na frente do HOMEM COMUM.

Mulher Comum: (Gritando) Eu sabia! Ele é o culpado! Ele fez isso! (Para o Homem Comum) Você os denunciou!

Homem: Você está doida. Me deixe em paz! Sou apenas um homem comum!

Mulher Comum: Não levante a voz. Você denunciou meus meninos. Você! Você! Quem chamou a atenção deles, de manhã, à tarde e noite? Quem deu permissão para colocar um uniforme em você? Quem veio de madrugada batendo nas portas de pessoas assustadas? Quem dirigia os carros da polícia? Guardava as prisões? O carrasco? Quem? Quem construiu os fornos? Alimentou-os com lenha? Quem ajuda tiranos em todos os lugares? Quem vende seus olhos e ouvidos por um salário? Quem constrói um monumento ao mal?

Todos: (Exceto Juiz e Jonas) O Homem Comum! O Homem Comum! Juiz (para o Homem Comum) Finalmente te pegamos! Quantas nações foram destruídas por "homens comuns"? O HOMEM COMUM tenta sair do palco, mas é impedido pelo JUIZ.

Juiz: Onde você pensa que vai? Você realmente acha que pode escapar do julgamento?

Homem: Qual é o seu problema, senhor....? (dizendo o verdadeiro nome do JUIZ) Por que trazer assunto político para a peça? Uma peça inofensiva de um ato, pensei. Ora, o que você está fazendo é absolutamente errado! (Diante da AUDIÊNCIA) Senhoras e senhores, eles não têm o direito de fazer isso comigo. Fui contratado para o papel de "Homem Comum". De repente, eles me atacam com essa loucura política. A mim! Eu fui desnazificado! Estou de saco cheio. Vou para casa! Já vi muita coisa nesta vida, mas nada igual a isso.

O Diretor de Palco entra.

Cena Cinco

Diretor de Palco: Espere! Só um momento, senhor ... (nome do ator que interpreta HOMEM COMUM). Você está estragando a cena inteira. Veja! (Mostra a ele uma cópia do script) Está escrito aqui. Homem Comum. Esse é o papel para o qual você foi contratado. Você é o Homem Comum.

Homem: Homem Comum! Como se atreve! Você está insultando minha inteligência. Homem Comum! Não me irrite! Você não percebe que está falando com um homem altamente educado? Diretor de Palco: Você está louco? Claro que eu sei quem você é, mas hoje à noite você estará interpretando o "Homem Comum". (De frente para o público) Alguém poderia, por favor, me emprestar um folheto. O senhor ... (dando seu nome verdadeiro) parece não acreditar em mim.

Homem: (batendo na testa) Ora bolas, sim! Perdoem-me! (Encarando a PLATEIA) Senhoras e Senhores, este tipo de coisa é chamado de surrealismo. Mas convenhamos: as coisas não estão ficando realistas demais? Eles fazem você acreditar que estão apenas representando um papel - apenas representando, lembre-se - e de repente a maquiagem de decência é arrancada do seu rosto, e você simplesmente fica...! Suponho que você me diria o que teria feito em meu lugar?

Juiz: Tome seu lugar no palco, Homem Comum! O Homem Comum obedece.

Juiz: Você finalmente entendeu que deve responder como o Homem Comum. Então... você denunciou ou não os três homens?

Homem: Denunciei? Por que me pergunta? Eu sou apenas um homem comum, um homem do povo ...

Juiz: Um homem de todos os povos! O Homem Comum medita nisso por um tempo, ficando cada vez mais horrorizado quando a idéia toma conta dele. Então grita de horror.

Homem: Não! Não! isso não pode ser verdade! Nunca! Nunca! Isso é demais para suportar! Se for verdade então, como alemão, torturei poloneses e assassinei ucranianos; como polaco expropriei alemães; como ucraniano fui um guerrilheiro assassino; como americano pulverizei Dresden; como russo estuprei e pilhei; como francês...! Não, pelo amor de Deus, não! Isso é mais do que eu posso suportar! Ele cai no banco.

Mulher Comum: Aí está você! E eu sabia como desmascara-lo!

Juiz: Não tão rápido, boa mulher. Gostaria de saber do Homem Comum quem incitou suas ações. Devemos lembrar que estamos preocupados apenas com o precedente inicial. Bem, então, quem incitou o Homem Comum a denunciar os outros?

Mulher Comum: Meritíssimo, por que está me olhando? Eu não incitei ninguém.

Juiz: Venha, venha.

Rafael: Chega de rodeios. Todo mundo sabe que era a Mulher Comum. Na primeira história contada, era a "mulher". A maçã, lembra-se!

Gabriel: Você não vai nos arrastar para essa história antiga!

Rafael: Por que não? Quem colheu a maçã? Quem deu a Adão?

Jonas: Maçã, maçã! Desafio qualquer um a me mostrar a passagem que confirma que era uma maçã.

Miguel: Maçã ou não-maçã! Qual a diferença? Um homem deve prosseguir e progredir em seu trabalho. Para avançar, ele deve ser elogiado por seus superiores. É sempre a mesma história: para melhorar sua situação familiar, sua posição, e existe alguma maneira mais segura de fazer isso do que denunciar outra pessoa, e assim conseguir um emprego melhor?

Mulher Comum: (para Miguel) Você ainda é jovem. Espere até ter filhos. Você não sabe como é quando você tem filhos. O que acontece quando o provedor da casa se torna impotente. Há muitas risadas, e ela, profundamente envergonhada, continua.

Mulher Comum: Quis dizer 'importante'. Meu marido teve que se tornar um inspetor. Bocas demais para alimentar. Eu disse isso antes, não disse?

Jonas: Mas você se esqueceu que um dia seus filhos - por amor de quem você pressionou seu marido - acabaram em uma fornalha de fogo?

Mulher Comum: Bem, eles não eram meus filhos.

Rainha: Um momento atrás você se fez porta-voz de todas as mães.

Mulher Comum: Eu? Estou confusa.

Miguel: Você? Quem te deixou confusa? Ouça minha história por exemplo. Primeiro, fui responsável por enviar judeus para campos de concentração; mais tarde, eu mesmo servi em um campo.

Gabriel: O mundo dá voltas, boa mulher. Toda galinha acaba voltando ao poleiro. Eu era oficial de artilharia. Joguei bombas em Londres e Coventry, Roterdã. Mais tarde, em Dresden, elas caíram em mim.

Mulher Comum: Na verdade, no que diz respeito aos meus filhos, tive muita sorte.

Jonas: Não estamos realmente preocupados com o seu destino pessoal neste momento. O momento afeta todos e cada um de nós. Nem as luzes de neon nem as TVs portáteis oferecem uma solução. Portanto, medo, o medo comum ...

Rainha: Pare por aí! As coisas estão ficando desconfortáveis.

Juiz: (Para a Rainha) Você gostaria disso, não é? Estamos nos aproximando do principal culpado. Quem deu as ordens? Quem condicionou os salários semanais a uma obediência cega?

Rainha: Como se atreve a falar comigo dessa maneira. Como juiz, você deve cumprir as leis. Eu, porém, sou a rainha. Eu faço as leis! Nos fundos da casa, o MERCADO subiu e está descendo pelo corredor.

Cena Seis

Ele é um homem de aparência próspera, bem alimentado e bem vestido.

Mercado: Um momento, por favor. Perdoe minha intromissão, mas há algumas perguntas que gostaria de fazer. Estou muito interessado neste caso. Se importa se eu subir ao palco?

Jonas: De maneira alguma. Junte-se a nós. Por todos os meios.

O MERCADO entra em cena.

Mercado: Me perdoe pela invasão. Devo confessar que os acontecimentos no palco me afetaram profundamente.

Rainha: Pois não parece.

Mercado: Por favor, por favor, não diga isso. Hoje em dia alguma coisa parece do jeito que deveria?

Jonas: (impaciente) Você disse que queria fazer algumas perguntas.

Mercado: Perguntas! Sim, sim, claro, perguntas. Sou comerciante. Eu tinha uma linda loja. Tinha minha própria casa, esposa e dois filhos. Estou dizendo "tinha" ... como vou dizer?

Juiz: Presumo que ainda seja um comerciante.

Jonas: Você perdeu o seu negócio?

Mercado: É isso mesmo. Aconteceu de repente ... mas não devia ter acontecido.

Com exceção do JUIZ e MIGUEL, todo mundo ri.

Miguel: Ah vá, dispense-o!

Mercado: As bombas fizeram de mim um homem pobre e solitário. Há um momento, isso me ocorreu novamente. Jamais esqueceremos completamente aqueles dias. Às vezes à noite, quando o sono não vem, quando você se vira pra lá e pra cá, e de repente eu os vejo... meus dois filhos pequenos, um menino e uma menina... sim, e minha esposa também. Ela era a bondade personificada. (Para JUIZ e Jonas) Você afirma que cada um de nós é responsável por seu próprio destino - especialmente nós alemães. Deixe-me afirmar abertamente e em termos inequívocos que não posso aceitar a mínima parte desta culpa. Nunca entrei para o Partido - não é uma coisa fácil de fazer para um homem envolvido no comércio. De fato, como comerciante, posso lhe dizer que nem sempre é simples permanecer honesto. Você pode ir à falência e à pobreza. Ele... (Apontando o Homem Comum) teve que prover para seus filhos, portanto, tinha que ganhar dinheiro. Ele também chegou à mesma conclusão, quer dizer, que a honestidade nem sempre é a melhor política. Para sustentar adequadamente seus filhos, ele teve que satisfazer seus superiores. Ouvimos dizer de que maneira (Apontando para a Mulher Comum) a Mulher Comum só queria o melhor para seus filhos; assim, ela os levou à morte. (Voltando à AUDIÊNCIA) Senhoras e senhores, que tipo de mundo é este! Digam-me! Digam-me! Alguém por favor me diga!

Juiz: Sim, que mundo é esse ...! Senhorita (nome da atriz que interpreta Diretora de Palco), por favor, vamos trocar de peça. Estamos travados. Esta peça não é adequada para o nosso tempo.

Diretor de Palco: Que outra peça você tem em mente, senhor ... (dá o nome verdadeiro do juiz)

Juiz: Vejamos! Bem, por exemplo, poderíamos encenar "Édipo". Ele matou o pai e cometeu incesto com a mãe ... embora não estivesse ciente dos verdadeiros relacionamentos. E claro, alguém poderia fazer a mesma pergunta novamente: em que tipo de mundo é este em que vivemos.

Mercado: Parece adequado. "Édipo." Não estou familiarizado com a peça. Raramente encontro tempo para ler ou ir ao teatro. É uma peça moderna?

Rainha: Você não conhece?

Jonas: Vocês ficaram doidos? Não estamos aqui para fazer perguntas; as perguntas já foram feitas. Estamos aqui para responder!

Juiz: Certo! Não podemos agir assim. (batendo o Martelo) Ordem! Ordem no Tribunal! Todos em seus lugares! Todos tomam seus lugares. O Tribunal não pode se envolver em digressões. Nada deve interferir no caso. Estamos aqui para determinar a responsabilidade pelo assassinato ...

Gabriel: Meritíssimo, assassinato não. Tentativa de assassinato!

Juiz: O Tribunal corrige: A responsabilidade pela tentativa de assassinato dos três homens lançados na fornalha de fogo. O Tribunal aceita a sugestão do comerciante, senhor ... (Para o comerciante) Qual é o seu nome?

Mercado: Tiemann, Meritíssimo, Ernest Tiemann. Frutas e Legumes. (As mãos exibem seu cartão de visita, em torno do qual está enrolada uma nota de dinheiro)

Juiz: (aceitando suborno) O Tribunal aceita a ... sugestão do Sr. Tiemann e amplia o escopo desta investigação para determinar quem é o principal responsável pela destruição da Babilônia pelo fogo apocalíptico.

Miguel: Espero por esta questão há muito tempo. Afinal, eles não podem continuar fingir eternamente que nós, alemães, somos os únicos culpados.

Rafael: Este é o Dia do Juízo que estamos colocando em ação; não devemos esquecer nossos queridos vizinhos do ocidente.

Jonas: Me oponho ao termo fogo "apocalíptico". Eu odiaria ver o Senhor (ele aponta para o teto e faz uma breve pausa para efeito) indiciado antes de terminar nosso inquérito.

Juiz: Objeção mantida. Vamos apenas dizer "fogo". Esse termo inclui não apenas a destruição total de bairros inteiros em poucas horas, mas também o fenômeno da morte por asfixia e do enterro vivo de milhares de seres humanos.

Mulher Comum: Analisar o desfecho também trará outra conclusão precipitada. Você chegará ao mesmo resultado estúpido: somos responsáveis - afinal, nós que estávamos assustados. Que estupidez!

Jonas: Algumas pessoas simplesmente nunca aprendem. Ah, sim, entendi: o século XX não pode errar. Por que o homem precisa ser tão estúpido, tão míope? Sem preconceitos, por favor.

Homem: Eu ainda acho que há um motivo político por trás de tudo isso. A Rainha é culpada! Ela ordenou a construção dos fornos!

Rainha: (agarrando o Homem Comum) Você é o culpado! Você, o Homem Comum! Não assentei um único tijolo, não usei nem um único naco de lenha.

Até o momento, os três ARCANJOS se mantiveram em silêncio. Agora GABRIEL dá um passo à frente.

Cena Sete

Gabriel: Posso usar a palavra, Meritíssimo.

Juiz: Certamente.

Gabriel: Em nome dos três Arcanjos desejo fazer a seguinte declaração: Por milhares de anos, nós, os Arcanjos, observamos com crescente desgosto que aqueles que exercem o poder político têm invadido nossos deveres de maneira desavergonhada. Nós, os Arcanjos, fomos designados para atuar como guardiões das nações ...

Miguel: Eu, Miguel, como anjo da guarda da Alemanha ...

Rafael: (para Miguel) Tudo bem. Deixe ele falar.

Gabriel: Mas quem nos impede - os líderes das hostes celestiais, de guardar as nações para que não caiam presas da fome, da morte e do desespero? O poder presunçoso e descarado dos cidadãos da terra! Entre nós a suspeita bem fundamentada de que a culpa última, o arcabouço de responsabilidade pelas desgraças das nações recai sobre as cabeças coroadas. Que insolência terrível nos impedir - os Arcanjos - de exercer nossos sagrados e abençoados deveres. O poder é mal, para sempre mal...

Rafael: Desta forma, sugerimos que a acusação seja dirigida contra a Rainha ...

Rainha: Estou ansiosa para ouvir estas acusações.

Jonas: Compartilho a opinião do Arcanjo. O servo apoia-se na glória de seu senhor. Quando a aristocracia se degenera por imoralidade e embriaguez, o povo se transforma em uma turba. O odor dos pecados de Nínive chegaram ao alto céu, quando a prostituição e a decadência se instalaram nos corredores do palácio; salvo quando a notícia de que o rei havia derramado lágrimas de arrependimento por seus pecados, e quando o juízo de Deus foi profetizado contra a cidade. Quem persistiu em nos enviar pelos mares em submarinos quando os inimigos equipados com radar e sonar tornaram impossível o sucesso e a segurança?

Gabriel: Quem prolongou a guerra até que a bela Dresden fosse reduzida a uma pilha de entulho e poeira?

Miguel: Quem ordenou que aqueles Amis jogassem suas bombas o tempo todo?

Rafael: Quem perseguiu milhões de refugiados pelo interior do país? Quem deu ordens para expulsa-los da terra de seus antepassados? Ocorre uma grande comoção, na qual TODOS, com exceção de JONAS e Juiz, participam. Vaias e vaias, gritos e assobios. Fora com todos os governantes! Revolução! Todas as evidências apontam para a Rainha. Todos: Ela é culpada! Ela deu as ordens!

Juiz: Chega! Ordem no Tribunal! Quando a ordem é restabelecida, ele se volta para a Rainha.

Juiz: As pessoas identificaram a senhora como causa original desses excessos.

Rainha: Muito bem! Eu me identifico com isso. Muito bem! Eu era a Rainha, ordenei a construção das fornalhas, subverti a alma dos meus súditos, torturei pessoas até a morte, enganei-as em guerras, ordenei bombardeios sobre as cidades! Sou alemã, inglesa, francesa, americana, japonesa, russa, babilônica, árabe! Vocês realmente acreditam nisso? Vocês realmente acreditam que eu poderia ter feito tudo isso? Vocês realmente acreditam que um ser humano é capaz de tudo isso?

Jonas: Meritíssimo! Tenho dito isto o tempo todo: o povo de cada século nunca se perdeu por causa de discursos. Esta é uma peculiaridade do século XX. Num instante eles exterminam cidades inteiras com suas malditas bombas atômicas; permitem que milhões de pessoas de outra etnia morram em câmaras de gás, e depois simplesmente nos dizem: é monstruoso, é desumano, portanto não pode ser verdade! Mas os mísseis intercontinentais continuam a existir, a velocidade supersônica foi atingida, os submarinos movidos a energia nuclear ainda se encontram perdidos no fundo do oceano. (À PLATEIA e aos atores no palco) Sob que tipo de ilusões vocês vivem? Vocês repetem frases que consideram muito inteligentes. Dizem que é a evolução inevitável da tecnologia, a evolução do poder! (Para a Rainha) Sob que tipo de ilusões a senhora trabalha? Mesmo que seja a Rainha da Babilônia esta noite - e a Rainha do Sul - não estamos reencenando um conto de fadas.

Rainha: Miguel, anjo da guarda de todos os alemães! Peço que me proteja deste profeta delirante. Você não é capaz de alegar circunstâncias atenuantes? Você que é tão versado na Bíblia.

Miguel: (pensando por um tempo) É possível que haja alguma coisa. (Para JONAS) Meu querido profeta, que me diz desta citação de seu colega Daniel? "Louvado seja o nome de Deus para todo o sempre; a sabedoria e o poder a ele pertencem."
# Daniel 2:20

Jonas: Essa citação dificilmente desculpa a falta de sabedoria dos seres humanos. (Para o JUIZ) Qual é a sua opinião?

Juiz: (levantando-se de seu assento, ele começa a andar de um lado para o outro agitado) É terrível! Terrível! Mais uma vez, a filha do homem está tentando seduzir os anjos, como fez nos tempos antigos, tempos primitivos, quando o pecado era desenfreado, nu e poderoso.

Miguel: Estou apenas citando as Escrituras Sagradas. Meu argumento é: "'Ele muda as épocas e as estações; destrona reis e os estabelece. Dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos que sabem discernir.
# Daniel 2:21

Jonas: Qual é exatamente o seu argumento?

Gabriel: (De repente, muito agitado) Entendi! Agora eu entendo o que Miguel está tentando nos dizer. É um absurdo! Não - absurdo não, é terrível! Não me atrevo a dizer isso.

Juiz: O que você não se atreve a dizer?

Gabriel: (um pouco mais calmo) Primeiramente, construir fornalhas para exterminar seis milhões de pessoas é uma completa loucura...

Rafael: Deixar milhões de refugiados sem um lar ...

Gabriel: É loucura destruir cidades inteiras apenas para obter uma vitória; construir bombas atômicas e transformar a superfície do globo em uma paisagem de crateras.

Rainha: Com certeza! Bêbados de loucura!

Miguel: No livro da Revelação, no capítulo 18, João também menciona a embriaguez. Deixe-me pensar por um momento. - Ah, sim. Ouça: "'E ele bradou com voz poderosa: “Caiu! Caiu a grande Babilônia! Ela se tornou habitação de demônios e antro de todo espírito imundo, antro de toda ave impura e detestável, pois todas as nações beberam do vinho da fúria da sua prostituição. Os reis da terra se prostituíram com ela; à custa do seu luxo excessivo os negociantes da terra se enriqueceram!”.
# Apocalipse 18:2-3

Mercado: (gemendo alto, ele cobre o rosto com as mãos) Oh meu Deus! Oh meu Deus!

Miguel: "'Então ouvi outra voz dos céus que dizia: “Saiam dela, vocês, povo meu, para que vocês não participem dos seus pecados, para que as pragas que vão cair sobre ela não os atinjam!"
# Apocalipse 18:4

Mulher Comum: Para onde poderíamos ir? Tínhamos um apartamento tão bonito.

Homem Comum: No final, o diabo conseguiu.

Juiz: (Para a Rainha) A senhora considera a embriaguez do poder uma circunstância atenuante? Que absurdo! Quem te forçou a beber? Quem a seduziu a cometer essas atrocidades? E mesmo se fosse, são necessários dois: o tentador e aquele que se permite ser tentado.

Rafael: Talvez uma parábola ajude. Uma imagem pode ter um significado tanto poético quanto divino. Ele se aproxima do JUIZ com uma expressão astuta.

Rafael: Imagine um campo recém semeado. O agricultor terminou sua tarefa, as sementes brotaram e, digamos, também completaram sua tarefa. Mas não há chuva nem sol de forma correta. Não é uma ocorrência muito rara hoje em dia. A colheita míngua, há falha na colheita. As pessoas se tornam famintas - tentadas, quero dizer - a agir de forma maldosa, sorrateira, violenta. A fome invariavelmente faz isso com as pessoas. Você ainda se lembra, não é mesmo? Diga-me: quem ainda está em débito com a semente?

Juiz: Como assim em débito? O que Miguel leu mesmo... aquele lance... "Dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos que sabem discernir!"

Rafael: Suponha que ele não dê? Quem, então, deve ao mundo sabedoria e conhecimento? Quem, então, é responsável pela embriaguez das nações?

Jonas: Rafael!

Miguel: (Correndo para o JUIZ) Está escrito no Livro de Jó: "'O que ele derruba não se pode reconstruir; quem ele aprisiona ninguém pode libertar. Se ele retém as águas, predomina a seca; se as solta, devastam a terra. A ele pertencem a força e a sabedoria; tanto o enganado quanto o enganador a ele pertencem. " Juiz Qual é o significado disso? A quem você se refere? De quem você Está falando? Quem é esse Ele?

Rainha: Ele é sempre o último a saber! Todos: (Exceto JUIZ e JONAS) Deus é culpado! Deus é culpado! Deus é culpado!

Homem: Amém!

Cena Oito

Jonas: Deus! Isso é um absurdo!

Juiz: Deus, culpado? (Para o comerciante) Você também acredita nisso?
Mercado: (Encolhendo os ombros) Eu realmente não sei. Meritíssimo, o senhor acha possível acreditar em outra coisa?

Jonas: E os demais? (Olhando, pergunta para cada um) Você? Todos permanecem em silêncio.

Jonas: Cada um de vocês gritou a plenos pulmões. (Para o JUIZ) Veja, Meritíssimo, eu disse antes mesmo de começar. Este é o século XX, o século delirante! É incrível. Eles já estão batendo às portas do inferno, mas Deus é culpado! Eu sabia o tempo todo... não adianta... não adianta ...

Juiz: (Para todos, exceto JONAS) Sejamos sensatos. Vocês não podem acreditar nisso. Imploro a vocês que não levem isso a sério. Isso é impossível.

Rainha: O julgamento provou sem sombra de dúvida a culpa dEle.

Juiz: Não! Não concordo com a maneira que as evidências foram apresentadas. Não posso, não devo aceitar. Eu não ...

Mercado: Você agora se torna culpado do mesmo erro que advertiu os outros: está sendo preconceituoso. Por favor, Meritíssimo, considere com calma. Existe alguma razão pela qual Deus não deve ser culpado? Sinceramente, eu tenho pensado nesta idéia há algum tempo ...

Juiz: Você!? Você que conseguiu sobreviver sem grandes dificuldades?
Mercado: Como assim, sem dificuldades? Você acha que sobreviver é uma coisa simples?

Mulher Comum: Deus é culpado! É verdade! É verdade! Verdadeiro! Falo por todas as mães do século XX! Falo em nome de todas as crianças inocentes que morreram nas duas últimas guerras. Falo em nome daqueles que congelaram até a morte enquanto fugiam pra salvar suas vidas - pessoas inocentes vítimas de atrocidades - cujos cadáveres foram jogados nas valas ao longo das estradas. Falo em nome de todas as crianças que, na idade em que deveriam estar brincando em parques ensolarados, tiveram que enfrentar os horrores de seu tempo. Falo em nome das crianças que morreram de fome e doença. Pergunto: onde estava o Deus que nos ensinaram chamar de Pai? Ele falhou, assim como esta Corte, porque as crianças não estão aqui para acusá-lo com seus corpos emagrecidos, decadentes, e com os olhos fundos de fome e terror. Você não consegue vê-los? Você pode alguma vez livrar sua memória dessa imagem? Então, junte-se a mim em meu choro: Deus é culpado! Culpado! Soluçando, ela cai no banco.

Mercado: (para o PÚBLICO) Vocês que sobreviveram ao terror dos bombardeios, dê-nos os miseráveis que sobraram! Dê para mim! Eu não tenho mais. Que eles morram nas chamas, queimados vivos, impotentes, presos em asfalto derretido. Oh maldição! Maldição! Maldição!

Jonas: (para o Juiz) Esse é o louco e delirante século XX.

Rainha: (Ouvi a última observação) Não! É a voz da multidão que deve ser dirigida com fornalhas de fogo, que deve ser forçada a orar aos ídolos porque escravizam sem piedade! Fui obrigada a domar bestas selvagens! Quem ousa me chamar de pecadora porque usei o chicote? Sente-se em um trono; do alto você conhece a humanidade. Cada aldeia, cada lugarejo, está cheia de prostitutas, ladrões e bêbados. Por uma pequena recompensa, o irmão trai o irmão. Somente fogo e espada os mantêm na linha! Construa mais fornalhas! (Voltando-se para o PÚBLICO) É por vocês que eu preciso de fornalhas! Onde vocês estavam quando milhões foram mortos nas câmaras de gás? Enquanto homens de todas as nações travam um combate mortal, enquanto os prisioneiros de guerra ainda sofrem privações, onde estão vocês? Contando lucros e preocupado apenas com seus prazeres e confortos. (Para o Mercado) Seu cão vira-lata! Sei tudo sobre você! Você construiu uma bela loja para ganhar dinheiro. Durante a construção foram encontrados restos humanos. Vinte anos atrás, no mesmo local, ficava a loja de David Mayer, morto na câmara de gás de Auschwitz! (Para o PÚBLICO) Há vinte anos, onde hoje estão os prédios com lindas luzes de neon, vocês demoliram apartamentos dos judeus e profanaram suas sinagogas, seus vira-latas e, quando chega o Natal, uma árvore fica ao lado da outra. Paz na Terra! (Risos) Apenas deixe-me conduzir as rédeas mais uma vez ...! Rindo histericamente, ela desmorona e JONAS a leva ao banco.

Jonas: Acalme-se, por favor, acalme-se.

Homem: Meritíssimo, posso ter a palavra!

Juiz: (cansado) Se for preciso, vá em frente.

Homem Comum: Olhem para mim, cavalheiros, que pareço aos olhos de vocês. Um homem? A coroa de glória da criação? (Risos) Um fracasso! Eu sou um homem comum, o homem da rua. Não, o homem na rua. Vocês sabem o que isso significa? Passos de ganso! Passos de ganso por muitos anos! Passos de ganso, passos de ganso, passos de ganso. Sofri fome, sede e medo da morte. Eu era um homem quebrado no corpo e no espírito quando eles me dispensaram antes do fim da guerra - da Primeira Guerra. A pátria me concedeu um descanso? Como aquele cavalheiro aqui... (Apontando para o MERCADO) Também sofri duros golpes na minha velhice. A Segunda Guerra roubou meus dois filhos. Minha amada esposa morreu de tristeza e privações. Fomos expulsos da casa de nossos pais. Nossa filha, uma menina adorável e angelical, morreu de febre tifóide. Ela deveria ter sido a alegria e consolo de nossa velhice. Eu me pergunto: pode um homem ter tamanho pecado para suportar um fardo tão grande? (Pausando brevemente) Todos estão em silêncio, todos vocês, até mesmo os Arcanjos. Me arrastei aqui com o que restava das minhas forças. O desejo ardente de me vingar é o que me mantém vivo. (Ao Juiz) Meritíssimo! Se este tribunal for justo, você deve pronunciar uma sentença justa. Se puder localizar o Deus que eu perdi no curso de duas guerras, condene-o, como eu, a levar a vida do homem na Terra. Deixem-no vagar, como eu, sem um lar para descansar sua cabeça cansada. Que Ele sinta a dor, como eu, de ter perdido Seu filho. Deixe-o sofrer, como eu, fome, sede e o medo da morte. Então, talvez, nos séculos futuros, Ele governe mais sabiamente.

Mercado: (Apertando ansiosamente a mão do homem comum) Sua fé não é a única. Eu sei como é isso...

Jonas: Veja, Meritíssimo, o século XX. Eu o adverti sobre estas pessoas.

Juiz: Admito que a proclamação da sentença por uma testemunha é altamente irregular. No entanto, o Tribunal tomará conhecimento de suas observações. Estou começando a perceber que as evidências contra o réu desconhecido são esmagadoras.

Rainha: Se alguém, em virtude de seu cargo e posição, tem o direito de pronunciar julgamento, este alguém sou eu. E, é claro, você, Meritíssimo. (inclina levemente sua cabeça para o JUIZ) Há pouco tempo, nesta mesma sala, acusações graves foram feitas contra mim. Ninguém está mais feliz do que eu em descobrir que as verdadeiras circunstâncias foram trazidas à tona. Quanto mais alta a posição da pessoa, mais dolorosa a queda, se for o caso. Ouvimos as acusações do pai, as acusações da mãe. Que são elas, comparadas aos meus próprios sofrimentos? A mãe perdeu seus filhos, o pai sua família e sua casa. Mas eu, uma soberana, perdi um país inteiro. Minha capital, rica, feliz e dourada - Babilônia, desmoronou em escombros de uma hora pra outra. Antes os governantes da terra me prestavam homenagem; agora sofro acusações de prostituição e maldade. Sim, eu ordenei a construção das fornalhas! Era necessário! Fui obrigada a fazer isso! Minha posição exige que eu lidere meu povo, que lhe dê leis para preservar a ordem, pois o homem deixado a si mesmo produz o caos. Para fazer cumprir as leis, eu tinha que ser severa. Fui obrigada a matar para preservar a vida. Quem criou o homem de tal forma que só a ameaça de morte e o terror o possam controlar? Deus! Quem organizou o mundo de tal maneira que os reis devem cometer pecados maiores do que outros mortais? Deus! Quem nos obriga a manter nossas nações vivas, conduzindo-as ao altar para serem sacrificadas? Deus! Quem transforma as ações claras dos príncipes em uma terrível controvérsia? Deus! Quem transforma nossas coroas de ouro em coroas de espinhos? Há apenas uma resposta, embora todos pareçam cautelosos em pronunciá-la. Há somente um veredito possível: Deus precisa se " "tornar rei de reis! Ele deve ser forçado a fazer leis para os homens! Deve usar uma coroa de espinhos e ser colocado num lugar de honra para ser traspassado em condenação. Pronuncio esta sentença em nome de todos os que usam uma coroa!

Juiz: (Após um breve silêncio) Arcanjos! Vocês ouviram as acusações. Ordeno que vocês informem a Deus sobre o veredito. Como devemos redigi-lo?

Homem: Deus deve se tornar um ser humano, um andarilho na terra, privado dos seus direitos, sem teto, faminto, sedento, em constante medo da morte.

Mulher Comum: Ele deveria nascer de uma mulher, em alguma cidadezinha no interior; e ouvir o gemido de outras pobres criaturas dia e noite. Deveria viver cercado de pessoas fracas, doentes, imorais. Ter seu caminho interrompido por cadáveres em decomposição. Ele deveria saber o que é morrer - ele mesmo devia morrer!

Homem: E também saber a agonia de perder um filho.

Rainha: E quando finalmente morrer, ser desonrado e ridicularizado.

Juiz: Você considera esta sentença justa e apropriada? Ninguém tem objeção?

Jonas: Claro que não.

Juiz: (Tocando cada um enquanto os chama pelo nome) Miguel! Gabriel! Rafael! Vocês, porta-vozes de Deus, o que dizem? Todos os três balançam a cabeça em silêncio.

Juiz: Vá então! Informe-O do veredito proferido pela humanidade torturada.

Gabriel: Eu, Gabriel, irei a um país governado por homens cruéis e parasitas, uma terra dividida, ocupada por uma potência estrangeira. Irei a uma virgem chamada Maria. Ela trará Deus ao mundo, sob suspeita de vergonha - e como judeu!

Miguel: Eu, Miguel, ordenarei às Hostes Celestiais que O deixem caminhar pela Terra desprotegido. Quando Ele cair de joelhos, quando a maldição de ser homem transformar o suor de sua testa em gotas de sangue, eu lhe concederei força suficiente apenas para que Ele possa continuar sofrendo, irei consola-lo enquanto consola os fiéis, iludindo com promessas para que eles possam suportar mais sofrimento.

Rafael: Eu, Rafael, estarei presente quando Ele afundar na morte, e estarei ao lado de Seu túmulo, tornando-me a testemunha mais sagrada de que Deus está morto!

Juiz: Oh, o que eu fiz? Eu condenei a Deus! Nunca mais julgarei outro caso. Os seres humanos podem, com razão, temer minhas decisões. (Para os Arcanjos) Devo ir com vocês. Não posso mais ser juiz! Ele e os ARCANJOS saem. JONAS ocupa agora o lugar do JUIZ no centro do palco, enquanto todos os outros atores se movem para o lado oposto do palco.

Cena Nove

Jonas: (Depois de uma longa pausa) O que vocês acham que conseguiram, gente do século XX? Acham que fizeram algo particularmente ousado, uma nova descoberta? É apenas uma redescoberta! Poderíamos prosseguir de forma mais contemporânea, projetando alguns fatos no telão. Seria, provavelmente, tão eficaz quanto o mene tekel mencionado anteriormente, particularmente se empregássemos as criações de artistas de vanguarda - os entalhes de Durer do Nascimento de Cristo, por exemplo, a tela de Grunewald da Crucificação. Mas o bom gosto nos impede de mostrar-lhe a execução real do veredito. Vocês sabem que foi cumprido, e de que maneira. (Ele faz uma breve pausa) Não há muito mais a fazer aqui no palco, pois é uma suposição razoável que vocês, até certo ponto, estão de alguma forma envolvidos por seus próprios pensamentos. (Mais uma vez faz uma breve pausa) Como devem ter notado, todos os demais atores sentiram algum incômodo, e por esse motivo mudaram de lugar. Senhorita ... (Ele nomeia atriz que interpreta Rainha pelo nome verdadeiro). Pode nos dizer o que está tentando indicar com essa mudança de lugar?

Rainha: Simplesmente isto: um ser humano pode ser qualquer coisa em sua vida, interpretar um ou outro papel. O homem só precisa tomar a decisão correta. (Breve pausa) Neste momento não somos mais babilônios, mas o povo de Nínive e Sabá que, foi profetizado, se levantará com os homens desta geração no Juízo, e nenhum sinal será dado, a não ser o sinal de Jonas.
# Durer, Birth of Christ, https://www.wikiart.org/en/albrecht-durer/birth-of-christ # Grünewalr, Crucifixion, https://www.wikiart.org/pt/matthias-grunewald/the-first-view-of-the-altar-st-sebastian-left-the-crucifixion-central-st-anthony-right-entombment-1515

Mulher Comum: Por este motivo tivemos que omitir o Sinal da Manjedoura e o Sinal da Cruz.

Homem: Mas a terra está cheia de mães que sofrem ...

Mercado: E cruzes, tantas cruzes.

Rainha: Mas o despertar de memórias esquecidas não é suficiente para os homens desta geração.

O Diretor de Palco entra. 

Diretor de Palco: Qual a razão para o autor inserir aquele lema no início deste roteiro:
# Mateus 12:42, Lucas 11:31
(Ela lê) "A rainha do Sul se levantará no juízo com os homens desta geração... (Apontando para o Mercado) e os condenará, pois ela veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão e agora está aqui quem é maior do que Salomão. Os homens de Nínive se levantarão no juízo com esta geração e a condenarão; pois eles se arrependeram com a pregação de Jonas, e agora está aqui quem é maior do que Jonas"!

Jonas: (Para o homem e a mulher médios que estão juntos) Sim, sim, Nínive! Que dias maravilhosos quando sua cidade ainda estava intacta. Fui até lá, e por três dias vaguei por suas belas ruas e praças, admirando os poderosos edifícios e pequenas casas arrumadas. Nunca antes havia estado em Berlim - quer dizer, Nínive! E então eu lhes contei como Deus me encheu de medo enquanto eu estava no mar, até finalmente me encontrar perdido na terrível escuridão do interior da baleia.

Mulher Comum: E você perguntou: "vocês amam sua cidade?"

Homem: E respondemos: "Sim, do fundo de nossos corações".

Mulher Comum: Então você perguntou: "Você ama seus filhos?"

Homem Comum: E nós respondemos ... Mercado (interrompe, profundamente comovido): ... mais do que qualquer coisa no mundo! # Jonas 3:4

Mulher Comum: E logo você disse: "chore por sua cidade, pois em quarenta dias Nínive será destruída".

Rainha: Essa notícia chegou ao palácio. Você nos contou sobre seus próprios caminhos sem Deus e como teve que passar pelo inferno antes de retornar a Deus. Então eu convoquei ...

Homem Comum: ... todos para participar de uma rápida ...

Mulher Comum: ... rasgamos nossas roupas luxuosas e lançamos cinzas sobre nossas cabeças, pois sabíamos que o fim estava próximo.

Homem: Sim, foi uma convocação severa.

Rainha: Meu marido, o rei, e eu abandonamos o orgulho e a vaidade; descartamos nossas coroas, pois sabíamos que estávamos errados e que Jonas estava certo.

Jonas: Tudo o que esta noite foi trazido perante o crivo da justiça é fruto da crueldade humana. O homem é sempre ameaçado pelo seu próximo.

Homem: E por sua própria culpa.

Mercado (para a Rainha): Me responda então, como a senhora conseguiu mudar os corações dos homens? Afinal, sua cidade foi poupada, não é?

Homem: Oh sim, foi poupada. Nínive a bela, foi poupada. E se tornou ainda mais bela, pois o povo se arrependeu e levou vidas tementes a Deus. "Deus abençoe nossa Nínive", passou a ser a saudação entre os habitantes. E onde outrora haviam ficado a fornalha, ninguém, mesmo secretamente, se atreveu a reconstruí-la. E onde uma vez foram cometidas atrocidades, nenhuma luz colorida ou placas publicitárias foram permitidas para camuflar estes espaços de memórias horríveis, mas sóbrias.
Mercado: A senhora quer dizer luzes de neon e árvores de Natal?

Homem: Se quiser interpretar assim para você e para o seu país, por mim tudo bem. Procuramos nós mesmos ... Mercado (para a Rainha): Como lhe ocorreu proclamar a convocação salvadora?

Rainha: Gostaria de poder responder que as experiências passadas foram suficientes. Infelizmente, o homem esquece rapidamente as experiências passadas. Então é bom seguir o conselho de fontes adequadas. Eu ouvira falar da sabedoria de Salomão, aquele rei poderoso de linhagem nobre. Então, eu viajei pelo deserto, para aprender com sua sabedoria, pois a sabedoria é requisito essencial para um governante.

Mercado: E o que você aprendeu?

Rainha: A sabedoria de Salomão, ainda que mil anos antes do nascimento do Salvador, era algo tão único que valia a pena atravessar o grande deserto para ouvir; mesmo naqueles dias em viajar pelo mundo perigoso e hostil fosse algo tolo. Só Salomão era sábio, pois mantinha temor de Deus.

Mercado: Ele mantinha temor de Deus?

Homem: Razão pela qual Nínive foi salva.

Mulher Comum: Sabíamos que o homem está sempre em falta diante de Deus.

Mercado: O que devo fazer, então? No local onde minha loja fica hoje, restos humanos foram encontrados e, antes disso, outros sofreram tortura, vergonha e medo.

Jonas: Assuma sua própria culpa, então Deus o absolverá.

Rainha: Como o Juiz se condenou.

Mercado: O Juiz ...? (Olhando para todos interrogativamente)

Jonas: Ele legislou no lugar de Deus.

Mercado: Deus condenou a Si mesmo! E nós, nós O acusamos! Nunca mais, nunca! O JUIZ entra.

Juiz: Então, afinal, não foi em vão.

Mercado: Não, não foi em vão. Posso garantir que não foi em vão!

Jonas: (para o público) Se pelo menos para um homem não tiver sido em vão. E pra vocês, senhoras e senhores?

Trick: Você aí em cima está certíssimo! Não foi em vão!

Os Arcanjos retornam.

Miguel: Ah, senhor Trick. Por que você não vem aqui? Junte-se a nós! Estamos quase terminando.

Rafael: (Apontando para o homem na plateia) Ele também faz parte da peça.

Gabriel: Alguém pode se sentir tentado a dizer que o destino é um truque de Deus, para nos ajudar a encontrar a verdade.

Jonas: (À AUDIÊNCIA) Bem, senhoras e senhores, o temor do Senhor é o começo da sabedoria. Um começo, talvez um começo terrível, mas melhor do que nenhum. Se você gostou dos truques que viu neste palco, então, por favor, recomende nossa peça a seus amigos... e inimigos. Você já tem uma idéia de como o mundo está. Há espaço para melhorias. Ou devemos voltar a sufocar em um submarino? Nossas vidas futuras darão a resposta. (Apontando para o lado onde estavam os acusadores de Deus). Um caminho - (Apontando para o lado em que as pessoas de Nínive estão) ou outro. Desejo-lhe um caminho agradável para casa. Não abra caminho até a saída. Não há necessidade de pressa. Nenhuma bomba cairá ... hoje à noite!

Fim