COVID-19 Condutas 'on' e 'off' label

Nota Introdutória: Todos os artigos citados neste texto podem ser acessados na íntegra e submetidos ao escrutínio de outros profissionais. As conclusões que destaco aqui são traduções de trechos dos próprios artigos. Como cidadão meu desejo é que qualquer candidata a estratégia de tratamento para esta enfermidade tenha sua viabilidade estudada. Como cientista, porém, é meu dever profissional, ético e moral alertar o público leigo sobre os riscos de divulgar informações de baixa qualidade.

A Covid-19 apresenta muitas semelhanças com outras doenças capazes de causar a chamada síndrome gripal, caracterizada por sintomas como febre, tosse, mialgia, fraqueza, entre outros. Apesar dos sintomas serem comuns, a doença causada pela COVID-19 deixou claro o amplo espectro de gravidade da doença. Enquanto cerca de 80% dos pacientes podem apresentar sintomas leves, 14% dos infectados podem apresentar doença grave, com dispneia, hipoxemia ou grande acometimento do pulmão.

Os casos críticos, por sua vez, chegam a 5%, enquanto a taxa de letalidade geral é de 2,3%, em média, mas pode variar entre países, especialmente de acordo com as características locais do sistema de saúde, a capacidade de absorver a demanda por leitos de UTI e as características de base da população local, como distribuição etária e prevalência de comunidades. [Manual do Cremesp de melhores práticas clínicas na Covid-19]

Na maioria dos trabalhos publicados, a média de dias de início de sintomas até a admissão hospitalar foi de sete dias, com rápida evolução para insuficiência respiratória geralmente a partir do 8º dia, nos casos graves.

O fluxo de atendimento nos pacientes com suspeita desta doença é o que segue:


Por se tratar de uma doença nova há muita pesquisa para definir quais as melhores vias de tratamento para estes pacientes. Vários candidatos a tratamento foram apresentados. Algumas pesquisas ainda estão em andamento. Outras já tem resultados bastante sólidos.

O médico tem total responsabilidade pela prescrição. Obviamente não é possível garantir o resultado da medicação (que depende de interações que fogem ao escopo da própria medicina). No entanto, o médico é responsável por garantir os melhores meios (isto é, deve fundamentar sua conduta nas melhores publicações científicas sobre o tema).

O médico tem autonomia para prescrever. Autonomia para prescrever, porém, não é o mesmo que autorização para causar mal. O primeiro princípio da ética médica é 'primum non nocere' ou 'primum nil nocere'. A primeira tarefa do médico é 'não fazer mal'. A autonomia de prescrição deve ser acompanhada da 'plena responsabilização' [civil e criminal] referente às consequências da prescrição.

Sim, o médico pode prescrever off-label, mas precisa deixar claro para o paciente que aquela prescrição está baseada unicamente na sua experiência pessoal. Neste sentido, depreende-se:

O uso off-label de um medicamento é feito por conta e risco do médico que o prescreve, e pode eventualmente vir a caracterizar um erro médico, mas em grande parte das vezes trata-se de uso essencialmente correto, apenas ainda não aprovado.

Há casos mesmo em que esta indicação nunca será aprovada por uma agência reguladora, como em doenças raras cujo tratamento medicamentoso só é respaldado por séries de casos. Tais indicações possivelmente nunca constarão da bula do medicamento porque jamais serão estudadas por ensaios clínicos. Felizmente já há bons estudos sobre os candidatos a tratamento na COVID-19.

Decidi levantar alguns estudos mais recentes e destacar suas conclusões (tanto a respeito do uso isolado destas medicações quanto associadas em forma de coquetel).

Cloroquina e Hidroxicloroquina

A Cloroquina e a Hidroxicloroquina tem efeitos anti-virais in vitro demonstrados no passado para diversos vírus e também foi observado no SARS-CoV-2. O mecanismo de ação proposto para essas drogas é o bloqueio da entrada do SARS-CoV-2 através de mecanismos pouco claros, em especial, a diminuição do pH de endossomos. Ademais, ambas as drogas possuem efeitos imunomodulatórios, motivo pelo qual são utilizadas para tratar doenças reumatológicas. Trata-se, portanto, de uma excelente candidata a tratamento da COVID-19 (assim como qualquer outra patologia viral que surgir no futuro!).

Este é o estudo francês que sugeriu a eficácia da Hidroxicloroquina e Azitromicina para COVID-19


Vários grupos de pesquisa no mundo todo decidiram investigar se esta opção de tratamento mudaria os rumos do tratamento da COVID-19.

Conclusão. O tratamento da COVID-19 com Cloroquina/Hidroxicloroquina não foi capaz de reduzir a mortalidade, mesmo quando associado à Azitromicina. Além disso, esses tratamentos aumentaram a duração do tempo de hospitalização.


Conclusão: Hidroxicloroquina, associada ou não à Azitromicina não foram capazes de reduzir a mortalidade em pacientes hospitalizados com COVID-19 nem reduzir o risco de hospitalização destes pacientes.


Conclusão. O tratamento precoce com Hidroxicloroquina não demonstrou benefícios adicionais aos pacientes com COVID-19.


Conclusão. Não há benefícios no uso de Hidroxicloroquina para pacientes com quadros leves. O efeito observado não foi suficiente para prevenir a progressão da doença.


Conclusão. O estudo não demonstrou benefícios no tratamento precoce com Hidroxicloroquina isolada ou em associação a outros medicamentos na redução de mortalidade e na progressão para casos graves.


Conclusão. Remdesivir, Hidroxicloroquina, Lopinavir e Interferon tiveram pouco ou nenhum efeito em pacientes hospitalizados com COVID-19.


Conclusões. Avaliação de 839 artigos que avaliaram Hidroxicloroquina associada ou não à Azitromicina. A maioria dos estudos avaliados continham graves erros metodológicos que comprometiam a interpretação dos resultados. Após a exclusão dos estudos com alto risco de viés, a meta-análise incluiu 11.932 pacientes no grupo da Hidroxicloroquina, 8.081 no grupo Hidroxicloroquina+Azitromicina e 12.930 no grupo controle. O grupo que fez uso de hidroxicloroquina + Azitromicina foi associado com aumento da mortalidade.


Ivermectina

Nas últimas semanas, muito se tem falado do uso da Ivermectina como tratamento para a covid-19. Trata-se de uma medicação anti-helmíntica usada contra a escabiose, apontada por estudos in vitro como capaz de reduzir a replicação de RNA viral do SARS-CoV-2 ao se ligar à na sua proteína de transporte. Contudo, ainda existem poucas evidências em relação à sua atividade in vivo.

Conclusão: O uso do medicamento não foi capaz de reduzir tempo de hospitalização, nem sequer impedir progressão para internação.



Conclusão
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 Não há elementos de qualidade para recomendar o uso de Ivermectina para prevenir ou tratar pacientes ambulatoriais nem hospitalizados com COVID-19.


PORTANTO...

Por se tratar de uma doença viral de disseminação respiratória, fique com as recomendações que já sabemos que funciona: 

  • Lave as mãos várias vezes ao dia;
  • Busque estar sempre em ambientes ventilados;
  • Fuja de aglomerações de pessoas;
  • Use máscaras respiratórias;
  • Não dê audiência para notícias de redes sociais sem lastro científico;
  • Não repasse vídeos no whatsapp sobre supostos tratamentos ou teorias conspiratórias sobre a COVID-19.
  • Quando chegar a sua vez, VACINE-SE!!