Cliente tem sempre razão? Empresa também pode ser indenizada por dano moral
Por Thâmara Kaoru
Já ouviu dizer que "o cliente tem sempre razão"? Na verdade, não é bem assim. Se o cliente abusar do direito de reclamar e acabar ofendendo uma empresa ou seus funcionários pode ser condenado a pagar indenização por danos morais.
'Linguagem inadequada' rendeu indenização
Um desses casos aconteceu no Distrito Federal, com uma consumidora que havia comprado produtos de mostruário de uma loja de móveis. Quando a mercadoria foi entregue, ela não reparou que o tecido de uma poltrona estava rasgado e assinou um termo de recebimento sem apontar o defeito.Ao notar o problema, decidiu mostrar sua insatisfação em um site de reclamações. Porém, acabou se excedendo e ofendendo os funcionários da loja.
Para a 6Â Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ela usou linguagem inadequada e feriu a reputação e a imagem da empresa perante os demais consumidores. Resultado: foi condenada a pagar R$ 2.000 de indenização à loja.
Teve que pagar R$ 9.000 e apagar reclamação
Em outra decisão, também no Distrito Federal, um consumidor teve que indenizar uma escola profissionalizante em R$ 9.000 e apagar sua reclamação da internet. Ele havia feito um curso de design gráfico, mas, após receber o certificado, disse que não havia ficado satisfeito com o que havia aprendido.Ao publicar sua reclamação em um site, também acabou ofendendo os funcionários da empresa, que decidiu processá-lo.
Cuidado com as palavras, sugere especialista
As empresas podem, sim, pedir indenização por danos morais, segundo uma interpretação (súmula) do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirma o professor de Direito do Consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Clayton Araújo."Essa indenização tem a finalidade compensatória, punitiva, preventiva e até pedagógica para que o consumidor não faça novamente", diz.
Ele diz que o cliente tem o direito de reclamar e pode usar a internet para isso, mas precisa tomar cuidado com o modo como se expressa. "É muito simples reclamar nas redes sociais hoje, mas não pode denegrir a imagem da empresa."
Reclamação é diferente de ofensa, diz advogado
A liberdade de expressão é garantida pela Constituição, mas a reclamação não pode ser anônima: é preciso assumir a responsabilidade pela queixa, diz o advogado Maicel Anesio Titto.Quando um consumidor se diz insatisfeito, a empresa é que precisa comprovar que agiu corretamente na prestação do serviço ou fornecimento do produto, diz Titto.
"O cliente apenas alega. A lei prevê e autoriza essa situação, mas é preciso saber o equilíbrio entre uma reclamação e uma ofensa. O consumidor acha que, por ele estar na parte mais frágil, pode ofender a empresa ou falar algo falso, mas não é assim."
Além de pagar a indenização, o cliente que praticar injúria, calúnia ou difamação comete crime e também poderá responder judicialmente por isso, diz o advogado.
Indenização por dano moral varia
O valor da indenização por dano moral é determinado pelo juiz, que se baseia em critérios como o tamanho da empresa, quantas pessoas foram atingidas pela reclamação exagerada e a forma da ofensa, explica Titto.Em geral, as empresas tentam evitar esse tipo de confronto com o consumidor, diz o advogado. Porém, em casos de ofensas ou mentiras, se a companhia não fizer nada, pode passar a impressão de que assumiu o erro -- ainda que não tenha errado.
O que fazer com o cliente que ofende o funcionário
Mas e do outro lado do balcão? Como é a realidade de quem vive para atender?Os funcionários são sempre os vilões da história? Não.
Racismo, ameaças, falta de educação, abusos e assédios lideram o ranking do que os atendentes enfrentam ao lidar com os clientes, e muitas vezes com medo de perder o emprego, ou não serem contratados após fase de experiência.
Cliente já falou para mim: vou te dar um tiro na cara, conta o consultor de vendas de uma operadora de telefonia móvel. Há dois anos na empresa, ele já presenciou vários barracos:
Teve um que quebrou o computador da loja; o outro levou um tablet, voltou com o aparelho todo quebrado e falou que a gente tinha que trocar.As histórias se repetem, mas cada uma tem sua particularidade.
Há uma semana trabalhando como vendedora em uma loja de roupas da rua 14 de Julho, também no centro do Rio de Janeiro, Henriquieta Solabarrieta, de 18 anos, se deu conta de que terá de agir com muito sangue frio e profissionalismo, caso queira passar do período de experiência sem pedir as contas.
Uma senhora comprou uma blusa da promoção e depois queria trocar, mas a gente não troca e explicamos isso antes. Aí ela disse que iria processar. Saiu xingando na porta, conta.Mas isso não é exclusividade do segmento: Quando trabalhava como atendente em um restaurante, ela também sofria com o público, sempre aparecia um para caçar confusão.
A gente tenta manter a paciência, mas não temos culpa das regras, só que muita gente acha que somos culpados, desabafa.Mesma coisa relata a gerente adjunta de uma farmácia, Diana Alvarenga, de 26 anos:
O estabelecimento segue as normas da Vigilância Sanitária, mas, apesar disso, é comum aparecer algumas pessoas querendo comprar medicamentos com receitas vencidas. Como não conseguem, saem esbravejando e destratam os atendentes.Fatos como esses revoltam e podem chocar, mas são mais comuns do que muita gente imagina.
Quem lida com isso todos os dias tem histórias inacreditáveis, mas acaba se acostumando, ignora e segue trabalhando.